HOMICÍDIO - PUGNA THEOLOGICA 2

Vamos pensar sobre um tema na Bíblia: HOMICÍDIO.
Deus é contra ou a favor?

Pela história de Israel invadindo povos estrangeiros e eliminado até as crianças, sob a égide do mandamento divino, poderíamos dizer que Deus é a favor.

Pelos mandamentos dados a Israel poderíamos dizer que ele é contra.

Pelas narrativas dos textos, evitando alguma ideia pré-concebida, poderíamos concluir o quê?

Há um mandamento para se servir a Deus com integridade e verdade que diz “não matarás”. Há o imperativo para amar até mesmo os inimigos.

Encontramos, também, nas páginas da Bíblia, histórias como a de Davi que “matou dez milhares[1]” apenas para casar-se com a filha do rei.

Por outro lado, há a narrativa de quando Davi quis construir o Templo para agradar a Deus, o profeta ter lhe entregue uma mensagem, da parte de Deus, que ele não poderia construí-lo por haver cometido assassinatos [2].

Estaria Deus zombando de Davi ao ordenar uma matança e depois acusá-lo de matador?

Sim, eu sei que a doutrina clássica calvinista tem uma resposta para isso, mas além de não ser calvinista, para mim é uma resposta insuficiente e contraditória à fé que tenho em Jesus Cristo.

Somos doutrinados a encaixar os relatos bíblicos no dogma da soberania divina, em que Deus faz o que quer e como quer e quem seríamos nós de suspeitarmos de qualquer coisa: acate-se.

Para ser cristão, deveria alguém aceitar incondicionalmente a ideia de que Deus, por ser Deus,  poderia dar uma Lei e ordenar ao homem desobedecê-la e depois acusá-lo de desobediência, simplesmente por que o homem não tem direito de questionar e por estar de antemão condenado por causa de um ancestral? Estaria o senso de justiça correto?

Somos obrigados a admitir esse conceito para sermos aceitos em muitos arraiais evangélicos. Uma ideia muito pertinente a um mundo sem critérios éticos, mas depois tudo o que já sabemos sobre ética, amor, respeito e tolerância principalmente com o próprio Jesus, exige perguntar se é lícito a um seguidor de Cristo crer assim?

Se por não aceitar incondicionalmente um dogma se perde a salvação, concluo que esvazia-se a afirmação de Jesus como “único e suficiente salvador”, sem a necessidade de qualquer outra coisa. Jesus salvaria desde que se acatassem os dogmas doutrinários.

Estamos diante de uma Pugna Theologica (conflito/disputa teológica) que apresenta a incompatibilidade entre Deus ordenar ao homem cometer um dos pecados mais terríveis, que ele mesmo abomina e na sequência condenar o obediente executor.

O status quo do senso comum ao qual vivemos em nosso país evangélico, determina que para ser aclamado teólogo cristão deve-se sempre responder à essa pugna com  a clássica “Soberania Divina” ou com "há coisas ocultas que pertencem a Deus" e torna inadmissível buscar outra resposta.

Por quê?.

Se formos francos e honestos com nossa razão, é complicado crer, por exemplo, em um Deus que arma um laço para condenar, e por incrível que pareça, no caso de Davi, Deus não o condenou, apenas o advertiu. Já no caso de Saul, por muito menos, não se pode dizer o mesmo, antes foi condenado.

Pense sobre as questões abaixo:

  • Se temos no texto bíblico essas duas afirmações incongruentes (o mandamento para não matar e a ordem para matar) somos convocados a fazer escolhas. 
  • Se acreditarmos que todo texto bíblico é a “boca de Deus” afirmamos que Deus não é coerente e arma ciladas  e para não encarar a questão com franqueza e honestidade sublimamos, jogando para a tal "coisas ocultas da soberania divina". 
  • Se não acreditarmos dessa forma sobre o texto, mas que são relatos da história de Israel registrados por humanos imperfeitos e contraditórios, os textos apresentam interpretações humanas sobre o querer de Deus. Sendo assim, uma destas interpretações feitas por eles  estaria incorreta e apresentaria Deus de forma distorcida e diante disto, nós os fiéis, devemos fazer uma escolha sobre qual delas. Assim, proponho como cristãos, que ao escolhermos, usarmos como principal critério, aquilo que compreendemos de Deus conforme revelado em Cristo. Com isso em mente, perguntarmos qual a melhor resposta para essas duas afirmações incongruentes sobre Deus?  

Perguntemos:
  •  Qual o maior imperativo bíblico em termos de homicídio? Deus é contra ou a favor?
Se Deus é a favor, os mandamentos estariam comprometidos quanto à sua validade e pertinência.

Se Deus é contra, homens mataram compreendendo que Deus havia ordenado, porém, Deus não ordenou. Assim, Davi foi cobrado de ter matado muita gente.

Se concordamos que Deus é contra o homicídio, lidaremos em nossa prática com outra questão:
  •  Por que na hora de apoiar nossa fé, escolhemos a verdade de que Deus tenha ordenado a matança e jogamos para debaixo do tapete que Deus condena o homicídio?
Revela-se na resposta aquilo que guardamos no coração e devemos ser confrontados pela afirmação de Jesus: "se intentar no coração matar, está guardado no coração um assassino" - eis o pecado dominando: nós é que queremos que Deus tenha ordenado a matança, talvez para saciar o assassino que habita em nós.

Proponho um caminho:

Tendo a vida completa de Cristo como critério faz sentido dizer que Deus é um Deus que em vez de matar prefere morrer? Em vez de pedir, prefere se dar?

Se sim, podemos perceber que a história religiosa de Israel não é muito diferente de um país cristão de hoje que em nome de Deus invade o outro.

De cristãos da atualidade que consideram que é da vontade de Deus que opositores à fé morram, sejam castigados e de forma trágica.

Que perseguir cristãos estaria errado, mas adeptos de outras religiões serem massacrados estaria certo.

Se concordarmos que Cristo anuncia que Deus prefere dar a sua vida, até mesmo pelos seus inimigos, do que tomar a vida de quem quer que seja, então desde que o "mundo é mundo" homens fazem coisas em nome de Deus, mas Deus não as aprova, antes insistentemente os convoca ao arrependimento.







[1] 1 Samuel 18:7
[2] 1 Crônicas 22:8

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

DESABAFO DE UM PASTOR BRASILEIRO CANSADO.

AS RAPOSAS TÊM COVIS...

A CONVERSÃO DA IGREJA - os efeitos do crescimento evangélico