O VELHO NOVO MESSIAS
(esse texto foi escrito originalmente em março de 2013 - repaginado)
As bases para a intolerância, preconceito, sectarismo e outros valores do anticristo.
Jesus deixou um aviso de que o mundo seria perigoso, haveria risco de morte, perseguição e pouco espaço para uma fé defensora dos fracos e oprimidos. Entretanto, a estatização da fé inverteu o jogo e, de fracos e oprimidos, os crentes passaram a fortes e opressores.
Saltando o tempo desde Constantino, chegamos ao Brasil católico com imaturas tensões contra os protestantes. Herdeiros dos protestantes, evangélicos não sofreram estes embates, exceto na conflitante convivência entre protestantes e o movimento pentecostal.
O apocalipsismo americano, do fim do século XIX, trouxe de forma contundente a ideia de que a fé seria provada pelas perseguições, apresentando quase como uma necessidade o ser perseguido como prova de se estar certo e no caminho correto, criando assim uma síndrome de perseguição e implantando as bases para a suposta existência de uma teoria da conspiração. Junto com isto as premissas de santidade como ascese levaram o movimento a se opor a qualquer fator discordante de seus valores e ritos. Nessa concepção persecutória e beligerante há sempre a manutenção da ideia de que a ação mais marcante do anticristo seria proibir o culto.
Num país democrático como o nosso, com uma Constituição que concede amplos direitos à expressão religiosa e de culto, o tema perseguição religiosa não tem força e nem espaço, exceto se colocarmos como disputa religiosa ou de mercado religioso: briga por poder, ou aumento de fiéis. Quem ficará com a maior fatia do poder?
Sem se sentir vítima e sem um opressor poderoso, a unidade dos crentes esfacelou-se, os heróis ficaram sem causa e aquele inimigo que outrora fora apresentado como o teste da fé tornou-se amigo. A solução, ou resposta foi transferir para o "mundo espiritual".
Nesta ausência de uma guerra apocalíptica palpável, na década de 90, surgiu a teoria dos demônios territoriais. Era tudo o que se precisava para juntar o povo evangélico, mais o pentecostal.
Foi quando surgiu a Marcha Pra Jesus a fim de destituir esses demônios que supostamente controlavam as cidades, as riquezas e o governo.
Mas perdeu a graça.
Apesar de todas as marchas, nenhuma mudança significativa, até porque não dá para saber se os demônios se foram ou não. Os mesmos caciques dirigem o congresso nacional e os mesmos controladores das riquezas estão mais ricos.
Atualmente a Marcha para Jesus tenta sobreviver, o clima belicoso motivacional parece que fica por conta de concorrer com o inimigo da vez, a Parada Gay.
O que poderia unir o povo evangélico e quem os uniria?
A causa de Cristo é um processo muito lento como um fermento na massa de pão e, por natureza policêntrico, inviabiliza a existência de um herói único e responsável pelo seu avanço.
Quem neste ambiente desejar ser um herói e constituir-se como se fosse um "novo Moisés", capaz de unir o povo e o liderá-lo, conseguirá somente em função de algum tipo de guerra. Por isso, encontramos igrejas e pastores que se viabilizam guerreando contra seus pares ou contra outra religião. O mesmo princípio utilizado pelo Bush na guerra contra o Iraque e para nomear o eixo do mal.
Num ambiente assim há pelo menos seis características para um "novo Messias" ser aclamado (expressão utilizada como reconhecimento de um enviado de Deus):
1- Aquele que conhecendo os problemas internos demonstre que tais problemas são a causa do enfraquecimento do movimento, problemas estes comuns aos humanos e por isso podem ser usados como provas de serem causados por um inimigo imaginário externo que precisa ser impedido a qualquer custo. Por causa desses problemas que o movimento não é mais poderoso como deveria ou como teria sido um dia, como se este dia tivesse existido. Gerando um clima de que a igreja corre um grande perigo fechar.
2- Culpabilize a falta de compromisso e união contra o inimigo imaginário, demonstre que essa falta é a causadora do enfraquecimento da igreja.
3- Empodere o povo com o discurso espiritualizado de que a Igreja é de Deus e nada poderá deter os intentos dela.
4- Apresente como única solução a unidade do povo em torno de uma proposta radical.
5- Eleja para si uma missão possível, mas muito perigosa. Não é para qualquer um, mas somente para os agraciados por Deus.
6- Constantemente lembrar do inimigo poderoso que ameaça a missão, mas Deus tem um ungido para vencer.
Inflamam o discurso mágico do "Deus pode", entretanto enfatizam que "Ele está somente nisso ou desse lado", colocando Deus e o povo refém dos intentos próprios.
É fácil observar como os líderes que mais se destacam no meio evangélico, invariavelmente, no discurso interno são pessimistas. Eles propõem que a Igreja está quase perdendo sua liberdade, enfraquecida perdendo o respeito e dignidade.
Se os fiéis, aqueles com quem Deus conta, não investirem neles ou em suas propostas, a igreja corre o risco de fechar, morrer, e o Brasil cair nas mãos do inimigo (que é mutante).
Por outro lado, estes mesmos, no discurso externo são otimistas apresentando os evangélicos como "uma força a ser respeitada".
E para ambos, interno e externo, discursam que todos devem se dobrar aos evangélicos e seus desejos. Brigam atualmente por território, não mais espiritual, mas sim, bem carnal.
Correm atrás do poder alavancado por um discurso belicoso, da teoria da conspiração, usando a performance de palco, com linguagem clichê do dialeto interno do movimento, a qual chamam de unção.
A meu ver o sectarismo, a perseguição religiosa, o clima fascista, a evangelização belicosa e a busca por obrigar o Brasil e os brasileiros a serem evangélicos é fruto da megalomania messiânica gestada pelo apocalipsismo americano do século XIX que insuflou no meio evangélico brasileiro um espírito estranho ao de Cristo. Quer ter seus pés lavados e não lavar os pés de ninguém.
Enquanto a evangelização partir do pressuposto pessimista de que o ser humano é lixo, uma escória de pecadores e que sua dignidade está em ser servido e não em servir, em ter poder e não em amar, haverá a contínua busca e espera de um messias que em seu próprio nome cumpra a promessa feita pelo demônio no deserto: "me adore e você terá poder, o mundo estará aos seus pés".
A igreja, sem se sentir digna, aceita a proposta de que servir aos intentos destes messias ou ungidos lhes conferirá dignidade e poder.
Assim sendo, sempre que surge alguém em seu próprio nome dizendo, "Cristo está aqui, ou ali", a este seguem cegamente e o elegem seu rei.
Eliel Batista
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