PUGNA THEOLOGICA 1

Fazer um curso de Teologia pode ser desconcertante. Há ofertas cujo valor teológico é tanto quanto o de um livro de receitas. É evidente que existem instituições sérias, comprometidas com o ensino e aprendizado e com a fidelidade e/ou conteúdo acadêmico idôneo ao oferecer um Bacharel em Teologia.

Porém, é público e notório que, basta entrar na web pagando algumas dezenas de reais para receber em casa um certificado de Teólogo e até mesmo de Doutor em Divindade.

Existem instituições que oferecem um curso reconhecido, válido, porém em termos de Teologia se dedicam a formarem replicadores de uma confissão doutrinária. Quer dizer, ensinam a doutrina de seu próprio arraial. Tanto que não permitem professores de outras confissões, pois a prioridade é perpetuar sua própria denominação. Não que isso por si só invalide a seriedade de tal Instituição ou mesmo da Teologia que defendem, porém, a meu ver deixam a desejar em termos acadêmicos.

Há aquelas instituições que laboram teologicamente com esmero, enfrentam os debates e as contradições teológicas sem receio algum. Que de fato dedicam-se às reflexões teológicas.

Porém, independente do tipo de Instituição, há que se considerar também a qualidade dos alunos. Avaliar conhecimento, todos os pedagogos e profissionais da área de educação sabem que não é fácil. Sendo assim, alguém esboçar um diploma de qualquer coisa não significa que ele domine aquilo no qual se diplomou.

E aqui talvez surja o nó do problema.

Uma das dificuldades em ensinar Teologia para protestantes evangélicos vem do fato de receberem uma boa educação cristã, evidentemente doutrinária confessional. Ao cursarem Teologia esperam que o curso lhes aprofundem em seus dogmas e doutrinas. Diferente de qualquer outra graduação em que o estudante se gradua no aprendizado, na Teologia entram para “aprofundar”. Inscrevem-se para estudarem algo que julgam saber.

Assim estudantes formados em instituições ruins, péssimos estudantes, replicadores de doutrinas criam ondas quase que normativas doutrinárias com o selo de teologia, que acaba dando o direito a qualquer pensamento ou opinião bíblica como se fosse a Verdade Divina. Tal qual, temos em nosso país mais de 200 milhões de técnicos de futebol e críticos políticos, temos toda a parcela protestante evangélica como teólogos e apologistas.

Blogs defendendo a sã doutrina, elegendo hereges, acusando os falsos pregadores a partir do senso comum doutrinário. Textos que caçam as bruxas cibernéticas e os anticristos que estão roubando as ovelhas.

Todo esse emaranhado de questões apontam para uma origem comum que chamam de didaquê, mas para mim, no meio evangélico está mais para katecheo.
Um excelente trabalho, porém sem a preocupação com a liberdade do pensamento.

Os adeptos de uma denominação não são ensinados através do questionamento e análise livre do pensamento elaborarem premissas e conclusões, antes são doutrinados a repetirem dogmas e a decorarem respostas prontas com algum versículo bíblico que as validem. Infelizmente é pecado pensar.

Aqueles que não se comportarem são ameaçados com ideias bíblicas do tipo, “Deus resiste aos soberbos e a incredulidade desperta a ira de Deus” e se persistirem serão cassados.
Metaforicamente eu diria que são doutrinados a se prepararem para abrir a porta quando uma TJ bater e enquanto não estiverem com tudo decorado a não abrirem a porta e pior, fazem disso uma verdade absoluta e pensam se tratar de Teologia.

Podemos constatar isso ao perceber que qualquer crente ao falar sobre a Onisciência de Deus cita o Salmo 139, ao falar sobre a preordenação do Cristo, cita Gênesis 3:15 “a semente da mulher”. Pensar sobre a teodicéia traz à lume a queda radical causada pela “desobediência adâmica”.

Interessante como entra década e sai década e é recorrente encontrar prosélitos perguntando sobre o casamento de Caim.
Herdaram junto com o dogma sobre as Escrituras a crença de que uma verdade bíblica se faz com literalidade textual.
Isso ocorre dentro da imposição de que um “verdadeiro cristão” obrigatoriamente tem que acreditar no princípio da não contradição e montar toda sua fé sobre essa pedra. Caso ele constate que existe uma contradição, deve negar sua capacidade intelectual, considerar-se um incapaz de compreender verdades espirituais. Não deve questionar, pois isso demonstraria fraqueza de fé (eu diria ou de inteligência?), mas um dia lhe será esclarecido, pois afinal, “as coisas ocultas pertencem a Deus” e não a um “vaso de barro roto” qualquer. Tudo isso com um lembrete: “de Deus não se zomba”.

Alguém pode perguntar: - mas de onde se tiraria a teologia cristã se não da Bíblia?

Minha resposta: da Bíblia, mas não com parâmetros unívocos.

A questão não é a Bíblia, mas como se faz teologia. Enfileirar versículos Bíblicos para se ter uma verdade, não se tem a verdade. A Bíblia seria um livro de revelações divinas como alectoromancia? Ou trata-se da história religiosa de Israel?

Não podemos recortar a Bíblia e dizer que temos uma verdade sobre Deus. Versículos sobrepostos não fazem uma verdade.

Tenho para mim, a partir da própria Bíblia que ela não se propõe a dar definições de Deus, mas a apontar caminhos que revelem Deus. Encontramos a Revelação de Deus na Vida e essa, para o cristão, se manifestou plenamente em Cristo.
Não temos em nenhum lugar na Bíblia o exercício para provar que Deus existe, logo ela não propõe revelar a existência de Deus. Ela instrui àqueles que creem em Deus a encontrarem Deus em suas próprias vidas e história.

O encontro com um Deus Vivo e Real tem que ser em uma experiência viva com o Espírito de Cristo e não em um texto. Afinal, a letra mata.
Sistematizar um texto pode até resultar em um conjunto de ideias sobre a verdade, mas não resulta na Verdade.
Para quê a Bíblia? Para refletirmos sobre nossa real possibilidade de um encontro verdadeiro com Deus. Aqueles homens com todas as suas fraquezas tiveram seu encontro com Deus. Cada um de nós também pode.

Comentários

  1. Então Pr Eliel, meu problema com essa postura de se questionar tudo, flexibilizar a doutrina, minar o dogma é que, no final disso, ainda fico sem respostas. O irmão contou o caso de Davi. E então, ele matou porque Deus mandou e ao mesmo tempo o mandamento manda não matar. Mas a Bíblia que mostra que Deus manda não matar, mostra que Deus exigiu a morte de Seu Filho, Jesus Cristo. Como ficamos?

    Sou calvinista e não tenho problema nenhum em questionar a fé, os dogmas instituídos, a minha crença e a existência de Deus. A propósito, faço isso rotineiramente, principalmente quando vejo as desigualdades, a violência, a impunidade, as mortes e também, quando vejo meu próprio pecado diante de mim. Mas ao questionar, não preciso concluir que a Bíblia se contradiz, que Deus é mais amor do que justiça, etc e etc.

    Questionar é bom, empurra a gente para frente. Se consideramos a Bíblia contraditória e se Deus é incoerente no que Ele manda, onde nos apoiaremos para trilhar nosso caminho? Se não posso me basear em mim mesmo, porque sou falho; meu irmão, tão humano quanto eu, falha também; se a instituição igreja também falha, afinal é um ajuntamento de gente que falha, em que basear o nosso caminho?

    Aí, o irmão responderá, baseie-se em Jesus e no amor do Pai. Mas Jesus e o amor do Pai me são apresentados pela Bíblia, que é contraditória!!! Como sair desse beco?

    Obrigado e até mais, Marcos.

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    1. Olá Marcos,

      Primeiro peço desculpas porque fiz uma reedição do texto porque estava muito grande e percebi que seria assunto para duas postagens. Então a história de Davi entrará no próximo.

      Dito isso, penso que a revisão do olhar para as escrituras é que precisa ser refeita. Não é o que está escrito, mas como adotamos o que está escrito.

      Você disse: "Deus exigiu a morte de seu Filho". Se você reler as escrituras, poderá perceber que será muito difícil encontrar essa exigência. Encontramos uma doação e não exigência.

      Essa afirmação (exigência) vem de Santo Anselmo que elaborou a doutrina do "pagamento".
      E seria possível ler a Bíblia sem perceber tal exigência? Convido-o a ler os textos sem esse óculos de Santo Anselmo do qual estamos empregnados (eu e você). Vai que surge uma surpresa?

      Quanto a Jesus, de fato ele está nas Escrituras e é ela que nos apresenta e essa sim é minha resposta.
      Então, convido-o a ler tudo sobre Jesus e percorrer os relatos de como encaixar essas doutrinas nas propostas de Cristo.

      Exemplo: Quantas vezes Jesus ensinou alguma doutrina do A.T.?
      Qual a doutrina que vem do A.T, que ele validou?
      Como Jesus usava as escrituras?
      De onde Jesus tirou seus ensinos?

      Talvez esse caminho o ajude a perceber que a fé cristã é muito maior que as propostas doutrinárias.

      Veja, eu não estou abolindo nenhuma doutrina, apenas estou tentando identificá-las com Cristo.

      abraços.

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  2. Olá Pr Eliel, acho que algumas perguntas que o irmão fez são exercício de retórica. E isso é bom para ativar os neurônios. Por exemplo, Jesus não ensinou nada no AT porque ele não estava presente fisicamente lá. Mas o Espírito Santo estava.

    Quanto a rever nosso olhar, não vejo problema nisso. Contudo, temos que ter certos cuidados, pois esse "novo" olhar pode nos levar para outros caminhos. Por exemplo, quando o irmão questiona qual doutrina do AT Jesus validou, fica claro - pelo menos para mim - um desapego ao sistema doutrinário extraído da própria Bíblia. O próprio Jesus disse que veio cumprir toda a Escritura. E mais. Ele reconfigurou o AT, ao elevar, e muito, o padrão estabelecido por ele. Se antes o adultério cometido era pecado, depois de Jesus Cristo, apenas olhar para uma mulher e desejá-la já se torna pecado.

    Entendo que a fé cristã é mais do que propostas doutrinárias, ou um sistema formatado e hermético. Jesus nos propôs um relacionamento pessoal com ele. Mas o fato é que vemos Jesus discutindo no templo dia após dia esse relacionamento com as pessoas. E essa discussão era baseada nas Escrituras que se tinham na época. Inúmeras vezes Jesus cita o AT nas suas palavras. Não há como dissociar o relacionamento que temos de estabelecer com Jesus sem o estudo da sua Palavra.

    Até mais, Marcos.

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    1. Olá Marcos,

      Veja, a pergunta sobre os ensinos de Jesus estão um pouco diferentes entre o que perguntei e o que você apresentou.

      Perguntei "quantas vezes Jesus ensinou alguma doutrina DO" e não que Jesus tivesse ensinado NO.
      Evidente que Jesus não estava lá, mas a forma e o quê ele usou DO AT assim como os apóstolos, pode nos trazer alguma luz.

      Quanto a Jesus cumprir TODA a escritura, acho muita coisa, porém os apóstolos testemunharam que Ele cumpriu tudo A SEU RESPEITO.

      Certa vez ele disse que não veio revogar, mas cumprir a LEI (ou seria o A.T. inteiro?) Ele cumpre a Lei e os profetas ao dizer: "nisso se resume a lei e os profetas: amarás, etc...

      Quanto a levar para outros caminhos, eu perguntaria: A que caminho eu posso ir se eu valorizar a vida e as palavras de Jesus, mais do que a letra?

      Se o fim da LEI é Cristo, que lei seria essa que se encerra nele?

      Há quem diga que não é TODA a lei, mas divide-a em Lei Moral e Lei cerimonial.
      Eu pergunto: Quem disse isso? Jesus ou os apóstolos?
      Eu respondo: Nenhum deles.

      Então, teria Jesus inaugurado um novo e vivo caminho?
      Teria Deus outrora falado de uma forma e hoje nos fala por meio de Jesus, portanto, Palavra de Deus para o cristão é Cristo?

      E o que o Cristo fala?

      Você encerra dizendo: "inúmeras vezes Jesus cita o AT nas suas palavras".

      Pois bem, que tal o desafio: Quantas e quais ele valida?
      Será que a gente não se surpreenderia com a seleção que Jesus faz do AT?

      Será que não seria uma surpresa constatar que o que menos Jesus fez em seus ensinos foi usar as escrituras da maneira como entendemos?
      Que ele usava as escrituras para desafiar os "escribas e fariseus" a relerem-na sem o fio da espada sanguinário e de condenação?

      Ficam as questões, que acredito nos ajudarem a valorizar mais Jesus e os evangelhos do que a Lei.

      abraços

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  3. Olá Eliel, tive a oportunidade de estudar por alguns anos em um instituto teológico que me fez repensar, refletir, desconstruir, reconstruir, reavaliar, reafirmar, argumentar minhas questões sobre a fé e a vida. Incomodou-me demais e, portanto, valeu-me muito. Em muitas destas questões, você fez parte como professor. Bagunçou minha mente, graças a Deus!!! Abraços.

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  4. Só não muda quem já morreu.

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