A Ditadura e Eu
Eu não fui vítima direta do golpe de 64.
Ninguém da minha
família e nem mesmo conhecido, que eu saiba, foi torturado.
Minha igreja, minha escola, meus professores, minha cidade,
minha família, concordava com os posicionamentos oficiais do governo.
O Marechal
de Messejana, fazendo uma “esterilização política” era um organizador nacional
que estava colocando a casa em ordem.
Comunistas precisavam de surra para aprender a boa educação. Nada melhor do
que a polícia para educá-los, afinal, a polícia foi feita para os maus, e esses
deveriam ter medo. Nós não. Estávamos do lado do bem. Da Ordem e do Progresso.
A formação política na escola era através de duas matérias: a
Educação Moral e Cívica e a Organização Social, Política Brasileira. Antes de entrar para as
aulas, todos perfilados, cantando hino da escola, da pátria, da bandeira, da
independência. Dia 07 de setembro, com parada militar, era o grande evento e
nós desfilávamos também com as bandas marciais das escolas públicas.
Tenho
fotos disso.
Precisava decorar a tabuada, que eu achava que se chamava
assim, porque se não soubesse levava uma “tabuada” – uma régua de madeira
gigante, que na aula como régua, servia somente para alcançar à distância o
aluno. Quer dizer, o aprendizado não significava criar, mas apenas repetir os conteúdos
impostos. Nada novo a se aprender; só doutrinação.
Com esse descritivo, dá para perceber que, por outro lado,
fui sim um tipo de vítima da ditadura militar.
Não há como se comparar com quem
perdeu seus bens, seus entes queridos e sua vida. Nem tampouco, que agora, as
verdadeiras vítimas, oprimidas pelo Estado, teriam que olhar para mim como se
eu fosse um oprimido e violentado e sentirem dó de mim; jamais.
Faço essa
referência, com muito cuidado, apenas para demonstrar que num sistema assim,
todos os cidadãos são cartas de um jogo em que todos são tolhidos.
Coibidos a
concordar com o sistema e no meu caso, considerar opressão como algo útil e para o bem.
Fui doutrinado a pensar horrores de meus irmãos, de meus
compatriotas, de meus pares humanos.
Ouvimos hoje, que os articuladores não lutavam pela democracia, mas que eram disputas entre ditaduras, mas nada pode justificar e nem autorizar tortura e atentar contra a vida humana.
Apesar de não impingir, fui levado a considerar “correto” querer o sofrimento de opositores. Também, como num regime totalitário, bruto, insensível e ignorante considerar como inimigo aquele que pensa e fala diferente.
Ouvimos hoje, que os articuladores não lutavam pela democracia, mas que eram disputas entre ditaduras, mas nada pode justificar e nem autorizar tortura e atentar contra a vida humana.
Apesar de não impingir, fui levado a considerar “correto” querer o sofrimento de opositores. Também, como num regime totalitário, bruto, insensível e ignorante considerar como inimigo aquele que pensa e fala diferente.
Olho ao redor e imagino se para muitos ainda não continua essa estrutura
mental.
Sinto horror de tudo isso.
Não! Não fui culpado direto pelas
torturas, pelas prisões arbitrárias, pelo desaparecimento de gente que também
queria o bem dos cidadãos. Eu não tinha maturidade para pensar outra coisa, que
dirá, ser responsável. Mas sim, por outro lado mesmo sem saber, engrossei o
caldo para que isso se fortalecesse.
Tenho vergonha de um dia ter pensado assim.
Mais horroroso
ainda é lembrar que um dia tive esses sentimentos funestos.
Medo de pensar que
determinados sentimentos tão fortes, podem ser semeados no coração de alguém e
se tornam tão reais que parecem legítimos, possuidores de verdades absolutas e
são capazes de levar uma pessoa de boa vontade a pensar e até mesmo a cometer
atrocidades.
Mesmo não tendo praticado nenhuma atrocidade, mas somente o fato
de não considerar insano, desumano, anticristão, inumano que tais coisas sejam
executadas, me assusto porque percebo a vileza que pode habitar o obscuro do
coração.
Hoje compreendo que isso acende dentro de si mesmo uma fogueira
infernal em honra àquilo que é maligno; diabólico.
Não tenho como corrigir o passado.
Tenho como não permitir
a continuidade da opressão e lutar para jamais tornar a acontecer.
Tenho como olhar para
meu próximo como irmão, percebê-lo como meu semelhante e acolher as diferenças,
minhas e dele e enriquecer essa nossa “igualdade” para que habite em nós um Novo
Humano. Posso pedir que meus irmãos brasileiros me perdoem.
Cresci, me tornei adulto. Estudei, revisitei a história, investiguei os fatos, conheci verdadeiras vítimas, compreendi Cristo e seu Evangelho com mais beleza e por isso me tornei avesso a toda e qualquer ditadura, quer religiosa,
trabalhista, social ou familiar.
Espero conseguir viver sempre com uma prática
democrática, deixando um legado mais bonito na construção do nosso futuro.
Eliel Batista
Em um tempo em que a Igreja Evangélica cada vez mais se comporta como os escribas e fariseus e não como Jesus, que era manso e humilde de coração, compassivo, amoroso e disse "buscai juntar tesouros nos céus onde a traça não come, a ferrugem não corrói, nem os ladrões minam ou roubam", saúdo teu texto como um farol de lucidez, sabedoria, honestidade intelectual que só pode ser alcançada com reflexão, com senso crítico.
ResponderExcluirParabéns!
E obrigado!
Paz irmão!
Alencar de Oliveira
Grato! Paz.
ResponderExcluirEliel, bom dia!
ResponderExcluirExcelente texto. Nos convida à uma reflexão mais proeminente.
Um abraço!
Os cristãos atualmente precisam ter sede de justiça social, não podem se conformar com o sofrimento do próximo.
ResponderExcluir